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[André Catimba] NÃO EXISTE DESPEDIDA. Por Franciel Cruz.

- Alô, André?

A resposta vem um tanto quanto impaciente e irritada.

- O que foi? Quem é?

Com o lombo curtido no carrancismo autoritário dos 600 DEMÔNHOS do sertão baiano, respiro e tento não me abalar.

- Seguinte. Meu nome é Franciel e gostaria de lhe entrevistar. Mas, se não puder, é nenhuma.

– Oxente, rapaz, tenha sua calma. É que estava aqui torcendo pra porra do Japão – e a Itália acaba de virar o jogo.

(É graça uma porra desta?)


Naquele início de noite do dia 19 de junho, apesar de já conhecer toda a fama do artilheiro que leva a catimba no próprio sobrenome, reforçou-se a certeza de que a entrevista, caso acontecesse, seria mercurial.

E, de prima, sem prolongar muito a conversa, ele informa logo que vai viajar e pede que lhe ligue na manhã da quarta-feira seguinte.

A referida manhã que eu perseguia parece que num vai chegar nunca. Mas, finalmente, o ponteiro do relógio bateu 9h34 da madrugada do glorioso dia. E decido telefonar.

André, aqui é Franciel novamente. Lhe liguei quinta-feira passada, lembra? Queria saber sobre a possibilidade da entrevista.

De bate-pronto, sem deixar a criança cair no chão, ele larga o doce, deixando-me mais deslocado do que os zagueiros e goleiros que tiveram o desprazer de enfrentá-lo.

Sabe onde é barraca de Sandiz, perto do conjunto Castro Alves, no Engenho Velho de Brotas?

Mesmo não fazendo a mínima idéia, digo que sim, até porque, uma vez mais, de modo surpreendente, ele afirma que estará me esperando no referido local dentro de uma hora de relógio. (Quando se fala uma hora de relógio na Bahia é porque se tem a obrigação de ser pontual.)

Atarantado, peço correndo ao meu filho que me ensine, num curso intensivo, como fazer uma gravação com seu equipamento. Com a convicção de que já posso trabalhar de cameraman em qualquer filme de Glauber Rocha, desço a pirambeira com uma câmara na mão, várias idéias e angústias na cabeça.

Assim, depois de ouvir nãos em mais de cinco barracas (barracas são estabelecimentos que nos outros lugares do país servem para vender revistas e jornais, mas aqui sempre se transformam em budegas), pergunto ao simpático cidadão:

Amigo, você sabe onde é a barraca de Perdiz?

Sem perder o humor, ele larga: “Perdiz, não, mas Sandiz, sou eu”.

Peço uma água mineral, o proprietário faz ouvido de mercador, André chega e, antes de me cumprimentar direito, pergunta se vou lhe acompanhar numa gelosa.

A entrevista abaixo, sem a respectiva gravação de tudo, pois, óbvio, num aprendi porra nenhuma da lição ensinada por meu filho, é feita sob o signo da canjebrina.

André, vamos começar pelas mitologias. Reza a lenda que seu famoso apelido surgiu quando você, mesmo sem dar um murro, amedrontou o beque central Gardel do Internacional num princípio de confusão no histórico Grenal de 1977?
André Catimba: Mentira. Quem lhe disse isso? O apelido surgiu porque quando eu cheguei no Rio Grande do Sul ficava levando a bola para linha de escanteio, prendendo o jogo, amarrando, aí um locutor gaúcho, que eu num lembro o nome agora, começou a dizer: “Lá vai André, catimbando, este André catimba de mais”. Pronto, aí, pegou.

Mas, este episódio com o zagueiro colorado existiu ou não?
André Catimba: Sim, existiu – até porque os beques chegavam junto e eu nunca fui de pipocar. Num tinha este negócio de ficar pulando toda hora, cavando falta como agora, não. Aliás, quem pipocava era repreendido pelos próprios companheiros. Naquele tempo era pau puro

Você tem idéia de quantas confusões você provocou ao longo de sua carreira?
André Catimba: Rapaz, eu nunca fui de sair dando o primeiro cacete em ninguém, não. Porém, sempre que levei, parti para o revide.

Quantas vezes?
André Catimba: Ah, num lembro, não.

(Perdiz, digo, Sandiz, intervém pela primeira vez).

2.568 vezes. Eu contei.

Mas, André, como é que você, com este seu porte físico, tinha coragem para entrar em tanta confusão?
André Catimba: Deixa eu lhe contar. Só comecei a jogar bola com 20 anos, no Ypiranga – e mesmo assim porque o cara que me viu jogar, um senhor chamado Paulinho, foi lá em casa pedir autorização à minha mãe, dizer que ia pagar minha escola e ainda me dar um dinheiro, pois minha família num aceitava que ninguém jogasse bola, não. Futebol aqui, naquela época, só pra moleque ou capitão de areia…

Mas, perguntei sobre sua coragem com este porte físico…
André Catimba: Então, quando fui jogar bola já estava preparado nas aulas com o mestre Caribé e com Ivo Rangel (professores de Karatê na Bahia). Além disso, eu era bom de capoeira.

Ah, bom. E a maior confusão da qual você participou foi mesmo no Ba x Vi de 1973, quando dizem que até o governador ACM teve que descer da tribuna de honra para apartar a briga?
André Catimba: Rapaz, aquela foi realmente a maior confusão. Ficou perigoso. Num lembro se o governador desceu, não, mas num fui eu quem provocou. Foi Osni (Ponta direita do Vitória), que inventou de dar um drible com a coxa em Roberto Rebouças, aí o pau quebrou. E olhe que era um jogo numa data especial, comemorativa, Dia das Mães. Ganhamos de 1 x 0.

André, chega de violência, né? Vamos falar de coisas boas. Confere a história de que um macumbeiro queria vetar sua participação naquela histórica final de 1972?
André Catimba: Verdade. Naquela época a macumba era muito forte e respeitada aqui no futebol baiano. Ocorreu o seguinte. Éramos 16 jogadores. Aí, o cara veio passando com o frango em cada jogador, eu era o último. Quando o frango chegou em mim, coitado, já estava acabado, mas aí ele disse que era eu que tava carregado. E vetou minha participação no jogo. O presidente foi falar com Paulinho de Almeida, que era o técnico – e este respondeu: “Meu time é André e mais 10”.

E você tava tão carregado que fez logo o primeiro gol com três minutos de bola rolando…
André Catimba: Pois é. Além do gol, com 15 minutos, sofri um pênalti, o que praticamente decidiu o campeonato. Mas, num foi um título fácil, não. O Bahia, se não me engano, jogava por dois resultados iguais. A torcida do Vitória não acreditava porque no ano anterior tínhamos perdido um título praticamente ganho. Aliás, nem quero falar sobre algumas disputas daquela época porque num quero acusar ninguém. Mas, enfim. O fato é que ganhamos o histórico campeonato com um estádio bem vazio por conta desta descrença. Porém, Paulinho de Almeida era um técnico excelente, não inventava, e tínhamos um timaço.

Por falar em timaço, o Vitória de 1974 é considerado por muitos como o melhor da história. O que você acha?
André Catimba: Não posso garantir se era ou foi o melhor, mas era uma equipe excelente. Um meio de campo fabuloso, um grande ataque e uma boa zaga, porém infelizmente teve aquele jogo contra o Vasco…

André, o árbitro Agomar Martins realmente prejudicou o Vitória ou é só choro?
André Catimba: Prejudicou e muito. Deixou de dar um pênalti claro, além de ter enojado o baba o tempo todo. Tínhamos time para ser campeão. Aliás, o Vasco acabou levantando a taça depois de conseguir mudar mando de campo contra o Cruzeiro, muito estranho.

Mas, apesar de elogiar a equipe de 1974, no seu time dos sonhos na Revista Placar, no ano passado, você não escalou ninguém do Vitória. Por que?
André Catimba: Escalei o Aguinaldo

Mas Aguinaldo foi o goleiro de 1973. O de 1974 era Joel Mendes.
André Catimba: É, você veio preparado para entrevista, ao contrário de outros jornalistas que num sabem nada e ainda querem me dar aula, dizendo que passaram pela faculdade, como se futebol aprendesse na faculdade. Outro dia um chegou aqui que tive que dar a real. “Você pode falar muita teoria, mas quem pisou lá dentro fui eu.” Mas o time que escalei, para mim, era realmente o melhor.

(Passa um Carro da Empresa de Limpeza Pública).

Porra, o número desta placa é exatamente o invertido do carro de meu filho.

Você vai jogar no bicho hoje?
André Catimba: Claro.

André, voltando. Ou melhor, indo. Como foi sua chegada no Grêmio?
André Catimba: Rapaz, é engraçado. O Grêmio talvez tenha sido o time no qual eu mais marquei gol jogando contra. Quando jogava no Vitória, quando joguei no Guarani. Aliás, o time do Guarani de 1976 já era um timaço. Então, acho que eles me contrataram porque eu tava fazendo gol de mais neles.

Por falar em gol, aquela bicicleta de 1979 contra o Esportivo foi o mais bonito de sua carreira?
André Catimba: Foi um dos mais bonitos, mas tenho uns outros cinco daquele mesmo naipe, mas não de bicicleta, é claro. Não posso lhe mostrar agora porque o ladrão roubou meu carro e levou o DVD com todos os gols. Ô seu ladrão, devolva meu DVD.

(Nem com durapox a gente consegue segurar o riso)

Outro gol muito bonito e marcante foi o do título de 1977 do Grêmio. Você poderia relatar o que se passou em sua cabeça na hora em que recebeu aquela passe de Iura?
André Catimba: Rapaz, ele já sabia que eu entrava na diagonal. Quando recebi a bola, toquei e decidi bater logo de primeira. A partir daí, foi um turbilhão. Fiquei louco. Num pensei em mais nada. Só queria voar. Inclusive, já falei com Dadá Maravilha que o único que parou realmente no ar fui eu. Aliás, Dadá me deve duas caixas de cervejas.

Como assim? Por causa da parada no ar?
André Catimba: Não. Foi que, no fim de nossas carreiras, lá no Amazonas, falei que ia fazer mais gol que ele. E fiz. Mas ele num me pagou. Dadá, pague minhas cervejas. (Novas risadas gerais e irrestritas)

Mas, voltando ao gol. Queria extravasar muito. Fazer um salto mortal, mas quando cheguei na altura da trave, senti uma dor na coxa, na virilha e me lasquei todo. A mão, quando aperto no lugar, dói até hoje. Mas, valeu a pena. O Internacional era octacampeão, buscava o enea, mas você sabia que ENEA passou a significar “Eles Nunca Esquecerão André”? E não esqueceram mesmo, pois sempre sou homenageado lá e tenho um carinho muito especial pela torcida gremista e pelo povo gaúcho.

Já aqui, na Bahia, rola o boato de que você foi barrado no Barradão, confere?
André Catimba: Quatro vezes. E olhe que eu possuía a carteira de número um. Agora, me deram uma de ex-atleta que vence no final do ano. Na nova Fonte, ainda nada.

E se lhe barrarem de novo, vai ter putaria?
André Catimba: Rapaz, não provoque. Deixa quieto.

Por falar em confusão, como foi sua passagem pela Argentina, convivendo com Maradona, novo, já que dois bicudos não se bicam.
André Catimba: Tem nada disso. Rapaz, minha convivência com ele foi sensacional. Inclusive, ele me deu de presente um relógio ômega, bem bonito, com o nome André, no dia de meu aniversário. E olhe a porra. Eu não sabia, mas era o mesmo dia do aniversário do dele.

E você não retribuiu?
André Catimba: De uma certa forma, sim. Estávamos em uma excursão com o Argentino Juniors, no Equador, acho que em Guaiaquil. Então, cheguei num bar que tinha algumas mulheres, inclusive uma baiana. Fiquei lá conversando, ele chegou e apresentei ele para as meninas.

Apresentou em que sentido, André?
André Catimba: Ele perguntou quem era, falei que era de minha terra e tal, os dois se engraçaram…

Ah, entendi. Então, o relógio tá pago. Antes de encerrar, queria saber qual foi o pior zagueiro que você enfrentou?
André Catimba: Ah, foram muitos. Me lembro do Brito, Fontana, que jogava muito duro, este que você lembrou no começo (Gardel), mas enfrentava todos, não tinha medo de nenhum. Naquela época era cuspe, dedada, tudo.

Conte um episódio com algum zagueiro miserável, que lhe marcou.
André Catimba: Ah, teve um caso brabo com Figueroa, do Internacional, quando eu estava ainda no Vitória. Ele ficou provocando muito. Naquele tempo, zagueiro fazia que ia ajeitar o cadarço e enchia a mão de terra. Quando tinha um lance na área, jogava terra na cara do outro. E este Figueroa ficou querendo me intimidar. Me provocou, bateu e eu dei um soco no estômago dele. O jogo, se não me engano, terminou 1 x 1, não perdemos e eu fiz o gol e uma ameaça. Falei: “gringo, eu lhe pego lá em Salvador”, mas ele num apareceu aqui não.

(Sandiz interrompe novamente para dizer, modestamente, que o zagueiro mais duro que André enfrentou foi ele. Inclusive, informa que Catimba lhe deve 24 cervejas por conta disso. Os dois começam a discutir. Para que a casa não comece a feder a homem, faço a intervenção com a pergunta final).

André, como você encara esta homenagem que vai receber hoje à noite aqui em Salvador ? (Ele será homenageado no Cinefoot).
André Catimba: (Pela primeira vez extremamente emocionado) Rapaz, você pode não acreditar, mas é uma alegria muito grande pra mim. Andrezinho, meu filho, que joga mais bola do que muita gente que está hoje nas quatro linhas, também tá feliz, todo mundo tá contente.

Ser homenageado em sua própria terra é algo muito especial, pois nunca baixei a cabeça para ninguém, criei meus filhos com dignidade, não ganhei dinheiro no futebol, mas ganhei amizade. Então, esta homenagem, pra mim, é muito especial. Inclusive, vou vestir terno pela segunda vez. A outra foi em meu casamento.

Perdiz, a conta.

Por: Franciel Cruz

P.S O título deste texto era referente a uma pergunta que acabei cortando da entrevista relativa à lembrança dele do jogo de despedida. André respondeu: “Não lembro qual foi meu último jogo. Não fiz despedida. Não estou morto. Despedida é pra quem morre”.

Depois disso, dei-lhe um até logo e marcamos nova rodada de canjebrinas.

*A imagem é de uma campanha publicitária em que a fotografia foi de Lázaro Santana, André Heleno e Márcio Rosário.

P.S: Para quem lê da Bahia, lá vai o serviço de utilidade pública:

CINEFOOT TOUR 2013 – SALVADOR
Espaço Itaú Unibanco Glauber Rocha
De 26 a 29 de junho
Sessões noturnas, às 20h30
Entrada Franca
(Homenagem à André Catimba acontece HOJE, dia 27)
__________
Comentários
2 Comentários

2 comentário(s):

Marcio disse...


ñ tive a oportunidade q ver jogando + conh. pessoalmente essa pessoa humana de caráter invejável e vitória de coração,onde deveria ser mais respeitado.

valeu catimba

Anônimo disse...

Franciel Cruz Credo
Não gosto muito da sua verborrea, mas leio sempre. Essa entrevista está simplesmente fantástica. Parabéns e faça outras do mesmo nível.

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