E estreamos logo em altíssimo nível, com este excelente relato de DIÓGENES BALEEIRO. Recebam nos mamilos, amorteçam e distribuam a boa nova. Amém?
O que não faz a abstinência futebolística. Há dois anos sem saber o que é ver meu time jogar, recebi com uma certa frustração a notícia de que o Vitória somente viria a Belo Horizonte para a partida contra o América no longínquo mês de agosto.
Tive, portanto, que optar entre conter as crises de abstinência por mais 3 meses ou encarar 320 km de estrada para ver o Leão jogar, na última sexta-feira contra uma agremiação desportiva chamada Boa Esporte, ex-Ituiutaba, atualmente em Varginha e futuramente sabe-se lá onde.
A escolha pela segunda opção não foi muito fácil. A primeira dificuldade foi convencer a patroa de que a viagem era necessária. Após intensas negociações, chegamos ao seguinte consenso: tudo bem, vamos se o Vitória ganhar duas partidas seguidas nesse início de série B.
Após o empate contra o América/RN, fui convencido de que poderia conter as crises de abstinência secando as sardinhas na última quarta-feira, aqui mesmo em BH.
Ocorre que a ida ao Independência para assistir in loco ao empate do Galo com o jahia só fez agravar a situação. Constatei que eu precisava de verdade ver o MEU TIME em campo. Porra de ficar secando time do interior da Bahia.
Eis que, na sexta-feira, acordei às 6 da matina, abri a janela, olhei para o horizonte na direção do Sul de Minas e pensei comigo, “o Vitória vai brocar hoje”.
Ignorei o fato de a minha digníssima ainda estar dormindo e vociferei, “mulé, vamo pra Varginha”, ao que ela respondeu “umhumm” e seguiu dormindo. Ao acordar, a referida deparou-se com o marido de malas prontas e paramentado com o sagrado manto do Leão, dirigindo-lhe a seguinte indagação:
- Bora?
Horas mais tarde, estávamos na rodovia Fernão Dias, rumo à cidade dos ETs - não sem antes encarar um engarrafamento de quase duas horas de relógio pra sair da capital das alterosas, cujas principais vias estão em obras desde 1897. “Não tem problema”, pensei, “o Vitória vai brocar hoje”.
Ao chegar à cidade, ao invés dos costumeiros ETs, fomos recebidos por uma desanimadora chuva, cujo poder de enojar o meu baba era potencializado pelo frio característico da região.
Precavida como somente ela sabe ser, a patroa levou consigo um guarda-chuva, que foi prontamente barrado pelo porteiro na entrada de visitantes do Melão Sports Arena, ao argumento de que poderia ser usado como arma numa briga.
“Mas não vai ter briga”, argumentei, “não deve ter ninguém aí”.
“Tem sim”, alegou o representante dos ETs, “já chegaram quatro torcedores do Vitória antes de vocês”.
Entramos então no estádio sem proteção contra a chuva e de bico seco, pois a moça do isopor do lado de fora estava sem troco para uma nota de vinte merréis. Mas todo sacrifício era válido porque o Vitória com certeza iria brocar naquela noite.
Lá dentro, percebi que eu não estava fazendo nenhum sacrifício. Havia um garoto distribuindo balões com as nossas cores, que, descobri depois, eram de um tal que saiu numa reportagem anos atrás e que vai em todos os jogos do Vitória*. Um outro rapaz (cujo nome, se não me engano, é Marcos**) tem como meta ir em 113 jogos do Vitória pelo Brasil e já estava há dois dias sem dormir até chegar lá em Varginha. Enfim, pegar uma chuvinha e uma estrada de 300 km não eram mais do que minha obrigação.
A torcida visitante, como sói, é colocada em Varginha no local com a pior visão possível do campo. De sorte que eu demorei para entender a escalação do Vitória. Só fui descobrir, por exemplo, que o nosso camisa 8 era a rainha dos baixinhos lá pela décima quarta ajeitada nos seus dele(a) cabelos.
E os poucos lances que a gente conseguia ver direito eram os que ocorriam no lado esquerdo do ataque do Vitória no primeiro tempo. Não por acaso, foi este o lado em que ocorreram as faltas que deram origem aos nossos dois gols.
Vocês vão achar que é mentira minha, mas, no primeiro gol, falei pra Uellinton deixar a cobrança para Neto e apontei para este último o canto que ele devia bater. E nem venham dizer que não dava pra ele ouvir porque a torcida do Boa na hora estava abafando minhas orientações mandando o juiz tomar cachaça. Podem ver para onde Neto APONTA na hora da comemoração e digam se eu estou mentindo.
No final do primeiro tempo, antes do segundo gol, um dos torcedores (a esta altura, já éramos uns 30) me largou a seguinte: “Cerezo, tira Tartá!”.
No intervalo, descobri que o sacripanta que falou duas bobagens com apenas três palavras, na verdade era um torcedor do time de itinga que estava acompanhando um amigo Rubronegro rumo a São Paulo.
Mas não é que o sardinhense ajudou? A frase deve ter mexido com os brios de Tartá e o sacaninha foi lá, marcou o segundo, desempatou e assegurou nossa vitória.
No segundo tempo, pressão do Ituiutaba, digo do Boa, mais chuva e alguns vacilos deram um tom de dramaticidade à partida. Porém, o Vitória conseguiu segurar o resultado como há muito não via em jogos fora de casa.
E por isso nem a chuva nem o pneu furado na volta a BH conseguiram estragar a minha viagem. O Vitória brocou, vai continuar brocando e ano que vem, com toda certeza, estaremos de volta à Série A. E, se Ronaldinho continuar no Galo, acho bom ele começar a aprender a dançar com a bunda na parede porque a madeira vai gemer.
* Manoel Novaes.
** Marcus Liyrio
Por: Franciel Cruz