O principal jogo do campeonato brasileiro no final de semana começaria às 18h30, no Sul, no domingo, entre um clube do G4 e outro do meio da tabela. Esse jogo, obviamente, seria o duelo gaúcho-mineiro entre Inter e Cruzeiro, em Novo Hamburgo.
A melhor partida, de fato, começou às 18h30 do domingo, no Sul e foi um jogo entre um clube do G4 e outro do meio da tabela. Só que o duelo foi entre o Furacão paranaense e o Leão baiano, na Vila Capanema, em Curitiba.
A melhor partida, de fato, começou às 18h30 do domingo, no Sul e foi um jogo entre um clube do G4 e outro do meio da tabela. Só que o duelo foi entre o Furacão paranaense e o Leão baiano, na Vila Capanema, em Curitiba.
Antes do jogo, ninguém dava bola para essa peleja. Até porque o script era: invicto em casa, o Furacão não teria dificuldade para "engolir" o Leão, que só rugira alto nos Aflitos (3 a 0 sobre o Náutico) e em São Januário (2 a 1 de virada sobre o Vasco).
Foi uma partida que, em vez de dois tempos cronológicos de 45 minutos, foi dividido em três tempos psicológicos distintos. E tome-lhe emoção, adrenalina, dramaticidade.
E um final de matar vitoriosos e derrotados.
Antes do jogo, o Furacão perdera o quarto lugar para o Grêmio, que vencera o São Paulo no Morumbi, enquanto o Leão da Barra havia descido à 13ª colocação.
Naquele momento, o Furacão estava a sete pontos do 5º, o primeiro fora do G4. Já o Leão estava a seis pontos do 17º, o primeiro na Z4.
O primeiro, dos três tempos, foi dos visitantes, que abriram 3 a 0 facilmente: Renato Cajá, Ayrton - em bela cobrança de falta - e Dinei, um golaço, em contra-ataque fulminante.
Na saída para o intervalo, o improvável aconteceu: perdendo por 3 a 0 para um franco atirador, a torcida não vaiou os atletas. Ao contrário, em plena lua de mel com o time, os torcedores aplaudiram, apoiaram, incentivaram – confiando num empate improvável e, quem sabe, numa vitória, que talvez fosse impossível.
Quando começou o segundo tempo, antes mesmo do primeiro minuto, um lance talvez selasse o resultado. O atacante Marquinhos, do Vitória, que não é de desperdiçar as chances que estava desperdiçando, chegou a ficar cara a cara com o goleiro atleticano, mas chutou nos pés de Weverton e perdeu a chance de fazer para o Vitória os mesmos 4 a 0 que a Lusa acabara de enfiar no Timão.
Aí, então, dos dois aos trinta do segundo tempo, o Furacão ressurgiu com a força que o colocou entre os melhores do campeonato. E conseguiu algo que estava entre o improvável e o impossível – empatou em 3 a 3, com dois gols de Ederson e um de Roger (ex-Vitória).
O relógio marcava 25 minutos do segundo tempo cronológico. E a Vila Capanema pegava fogo. A torcida vibrava euforicamente nas arquibancadas. Em campo, os atleticanos embalados e entusiasmados partiram para o abafa total, uma blitz no campo dos visitantes.
A virada iminente – espetacular, gloriosa, histórica - era questão de tempo. E os invictos donos da casa ainda tinham 23 minutos pela frente para dar o golpe de misericórdia.
Já o Vitória saíra do céu ao inferno em minutos. A alegria de minutos antes cedeu lugar à angústia. Agora, perdidos em campo, os jogadores estavam abatidos, cansados, atônitos, à beira de uma tragédia.
O Vitória parecia antever um novo vexame nacional. À memória do seu torcedor, por mais que não quisesse, vinham cenas de um filme que ele só quer esquecer: no ano passado, pela Série B, o time chegou a colocar 3 a 0 no Goiás, no Serra Dourada, e sofreu uma virada inacreditável.
Este escrevinhador, que é Vitória desde outras encarnações e decepções, já tentava imaginar o que seria o resto do domingo após a virada iminente. Como seria a segunda-feira fúnebre? Como cicatrizar uma nova ferida? Como chamaria os confrades para assistir as outras partidas do clube?
E, o pior de tudo, como suportar a gozação dos arquirrivais tricolores, que, àquela altura, já estavam fazendo carnaval em Salvador e rindo da nossa cara?
Na cabeça de um torcedor, não adiantaria se consolar com a lembrança de outros clubes que levaram viradas semelhantes ou até piores.
Exemplos...
O que se passou na cabeça do torcedor palmeirense ao final da Copa Mercosul de 2000? O Palmeiras enfiava 3 a 0 no Vasco no primeiro tempo, jogando em casa. Até os 40, o alviverde vencia por 3 a 2.
O Vasco fez 3 a 3, resultado que, mesmo assim, levaria a decisão para os pênaltis. Mas Romário, no último segundo dos acréscimos, fez o gol da virada espetacular para os vascaínos, que foram campeões.
O que se passou na cabeça dos torcedores do Milan, da Itália, na final da Liga dos Campeões de 2005? O time foi pro vestuário com 3 a 0 sobre o Liverpool e a mão na taça.
Na volta, os moços de Liverpool fizeram três gols num intervalo de quinze minutos e levaram a decisão para os pênaltis. Com um lado abatido, por ter cedido o empate, e outro eufórico, por alcançar o improvável, este acabou vencendo aquele nos penais.
No último domingo, quando veio o 3 a 3, essas coisas pouco importavam para o torcedor do Vitória, que antevia o script da maldição: a vitória retumbante dos donos da casa, protagonistas de toda honra e toda glória, agora e para sempre, enquanto nós ficaríamos com o amargo sabor de outra derrota humilhante, pois era esse o pesadelo que se avizinhava.
É o futebol e suas histórias de dramas, fracassos, glórias, angústias...
E o improvável aconteceu de novo: o treinador Ney Franco, do Vitória, tirou o maestro Cajá, autor do primeiro gol, e colocou em campo um jovem esquisito, William Henrique, jogador que sequer havia sido relacionado em jogos anteriores.
E foi este menino que fez um golaço e acabou por jogar uma ducha de água fria na empolgação atleticana: 4 a 3 para o Vitória. Na sequência, o mesmo moleque traquino cruzou na medida para Ayrton decretar o resultado: 5 a 3 para o Vitória.
Para os atleticanos, foi uma quase-virada-espetacular. Os atletas saíram aplaudidos de pé pelos quase 11 mil torcedores.
Para nós, torcedores do Vitória, aquele moleque de cabelo espinho-de-fogo, agora passava a ser o “príncipe” William.
Após o pesadelo iminente, o alívio e a alegria – sofrida, como sempre - de uma vitória para nunca mais esquecer.
Para o futebol, uma partida como poucas. O melhor jogo do campeonato até aqui, com oito gols, três tempos e um drama de cinema.
Tanto foi assim que, ao final do jogo, na página deste escrevedor no Facebook, o escritor paraibano Bráulio Tavares perguntou ao cineasta baiano José Araripe Júnior: “Araripe, estás vivo?”
Torcedor do Vitória, Araripe certamente havia “morrido” na cabeçada de Roger para as redes, mas “ressuscitou” aos pés do “príncipe” William no apagar das luzes.
“Voltei”, respondeu o cineasta, para dizer que voltara à vida. “Graças ao desfibrilizador da ambulância que entrou no finalzinho ligado em 220”.
Pois é, nós fomos ao céu e ao inferno e voltamos.
Já o cruzeirense Samuel Rosa, da banda Skank, naquela hora estava feliz da vida. Onde quer que estivesse na noite de domingo, ele certamente estava cantando: “Que coisa linda é uma partida de futebol”.
Por: Marcelo Torres
Jornalista, baiano, morador de Brasília e, claro, torcedor do Vitória
Foi uma partida que, em vez de dois tempos cronológicos de 45 minutos, foi dividido em três tempos psicológicos distintos. E tome-lhe emoção, adrenalina, dramaticidade.
E um final de matar vitoriosos e derrotados.
Antes do jogo, o Furacão perdera o quarto lugar para o Grêmio, que vencera o São Paulo no Morumbi, enquanto o Leão da Barra havia descido à 13ª colocação.
Naquele momento, o Furacão estava a sete pontos do 5º, o primeiro fora do G4. Já o Leão estava a seis pontos do 17º, o primeiro na Z4.
O primeiro, dos três tempos, foi dos visitantes, que abriram 3 a 0 facilmente: Renato Cajá, Ayrton - em bela cobrança de falta - e Dinei, um golaço, em contra-ataque fulminante.
Na saída para o intervalo, o improvável aconteceu: perdendo por 3 a 0 para um franco atirador, a torcida não vaiou os atletas. Ao contrário, em plena lua de mel com o time, os torcedores aplaudiram, apoiaram, incentivaram – confiando num empate improvável e, quem sabe, numa vitória, que talvez fosse impossível.
Quando começou o segundo tempo, antes mesmo do primeiro minuto, um lance talvez selasse o resultado. O atacante Marquinhos, do Vitória, que não é de desperdiçar as chances que estava desperdiçando, chegou a ficar cara a cara com o goleiro atleticano, mas chutou nos pés de Weverton e perdeu a chance de fazer para o Vitória os mesmos 4 a 0 que a Lusa acabara de enfiar no Timão.
Aí, então, dos dois aos trinta do segundo tempo, o Furacão ressurgiu com a força que o colocou entre os melhores do campeonato. E conseguiu algo que estava entre o improvável e o impossível – empatou em 3 a 3, com dois gols de Ederson e um de Roger (ex-Vitória).
O relógio marcava 25 minutos do segundo tempo cronológico. E a Vila Capanema pegava fogo. A torcida vibrava euforicamente nas arquibancadas. Em campo, os atleticanos embalados e entusiasmados partiram para o abafa total, uma blitz no campo dos visitantes.
A virada iminente – espetacular, gloriosa, histórica - era questão de tempo. E os invictos donos da casa ainda tinham 23 minutos pela frente para dar o golpe de misericórdia.
Já o Vitória saíra do céu ao inferno em minutos. A alegria de minutos antes cedeu lugar à angústia. Agora, perdidos em campo, os jogadores estavam abatidos, cansados, atônitos, à beira de uma tragédia.
O Vitória parecia antever um novo vexame nacional. À memória do seu torcedor, por mais que não quisesse, vinham cenas de um filme que ele só quer esquecer: no ano passado, pela Série B, o time chegou a colocar 3 a 0 no Goiás, no Serra Dourada, e sofreu uma virada inacreditável.
Este escrevinhador, que é Vitória desde outras encarnações e decepções, já tentava imaginar o que seria o resto do domingo após a virada iminente. Como seria a segunda-feira fúnebre? Como cicatrizar uma nova ferida? Como chamaria os confrades para assistir as outras partidas do clube?
E, o pior de tudo, como suportar a gozação dos arquirrivais tricolores, que, àquela altura, já estavam fazendo carnaval em Salvador e rindo da nossa cara?
Na cabeça de um torcedor, não adiantaria se consolar com a lembrança de outros clubes que levaram viradas semelhantes ou até piores.
Exemplos...
O que se passou na cabeça do torcedor palmeirense ao final da Copa Mercosul de 2000? O Palmeiras enfiava 3 a 0 no Vasco no primeiro tempo, jogando em casa. Até os 40, o alviverde vencia por 3 a 2.
O Vasco fez 3 a 3, resultado que, mesmo assim, levaria a decisão para os pênaltis. Mas Romário, no último segundo dos acréscimos, fez o gol da virada espetacular para os vascaínos, que foram campeões.
O que se passou na cabeça dos torcedores do Milan, da Itália, na final da Liga dos Campeões de 2005? O time foi pro vestuário com 3 a 0 sobre o Liverpool e a mão na taça.
Na volta, os moços de Liverpool fizeram três gols num intervalo de quinze minutos e levaram a decisão para os pênaltis. Com um lado abatido, por ter cedido o empate, e outro eufórico, por alcançar o improvável, este acabou vencendo aquele nos penais.
No último domingo, quando veio o 3 a 3, essas coisas pouco importavam para o torcedor do Vitória, que antevia o script da maldição: a vitória retumbante dos donos da casa, protagonistas de toda honra e toda glória, agora e para sempre, enquanto nós ficaríamos com o amargo sabor de outra derrota humilhante, pois era esse o pesadelo que se avizinhava.
É o futebol e suas histórias de dramas, fracassos, glórias, angústias...
E o improvável aconteceu de novo: o treinador Ney Franco, do Vitória, tirou o maestro Cajá, autor do primeiro gol, e colocou em campo um jovem esquisito, William Henrique, jogador que sequer havia sido relacionado em jogos anteriores.
E foi este menino que fez um golaço e acabou por jogar uma ducha de água fria na empolgação atleticana: 4 a 3 para o Vitória. Na sequência, o mesmo moleque traquino cruzou na medida para Ayrton decretar o resultado: 5 a 3 para o Vitória.
Para os atleticanos, foi uma quase-virada-espetacular. Os atletas saíram aplaudidos de pé pelos quase 11 mil torcedores.
Para nós, torcedores do Vitória, aquele moleque de cabelo espinho-de-fogo, agora passava a ser o “príncipe” William.
Após o pesadelo iminente, o alívio e a alegria – sofrida, como sempre - de uma vitória para nunca mais esquecer.
Para o futebol, uma partida como poucas. O melhor jogo do campeonato até aqui, com oito gols, três tempos e um drama de cinema.
Tanto foi assim que, ao final do jogo, na página deste escrevedor no Facebook, o escritor paraibano Bráulio Tavares perguntou ao cineasta baiano José Araripe Júnior: “Araripe, estás vivo?”
Torcedor do Vitória, Araripe certamente havia “morrido” na cabeçada de Roger para as redes, mas “ressuscitou” aos pés do “príncipe” William no apagar das luzes.
“Voltei”, respondeu o cineasta, para dizer que voltara à vida. “Graças ao desfibrilizador da ambulância que entrou no finalzinho ligado em 220”.
Pois é, nós fomos ao céu e ao inferno e voltamos.
Já o cruzeirense Samuel Rosa, da banda Skank, naquela hora estava feliz da vida. Onde quer que estivesse na noite de domingo, ele certamente estava cantando: “Que coisa linda é uma partida de futebol”.
Por: Marcelo Torres
Jornalista, baiano, morador de Brasília e, claro, torcedor do Vitória