24 de junho de 2013

[Brasil x Itália] QUAL FOI O RESULTADO DO FUTEBOL? Por Franciel Cruz.

Naquele fim de manhã de segunda-feira, a inquietação daquele mininu num era apenas provocada pelo fervor da puberdade. Nécaras. O que ele efetivamente sentia era uma angústia transcendental – caso o referido soubesse que porra significava transcendental.

Porém, ele sabia de outras coisas. Sabia, por exemplo, que, no medieval sertão nordestino, ninguém, muito menos os meninos de pouca idade, ousaria ter o desplante de sequer pensar em afrontar seus pais. Aliás, não podiam nem cogitar ser dono de uma opinião, qualquer que fosse.

O silêncio era o segredo do sucesso. Ao contrário de hoje, quando vivemos neste império infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente de priscas eras possuía apenas o seguinte e sucinto artigo: “Menino, cachorro e tamanco são debaixo do banco”.

Ô, DESGRÓRIA!!!

Mas, o desinfeliz planejava a subversão. E isto estava escrito em letras garrafais no seu atormentado semblante. Digo que estava escrito assim, no chute, pois não podia, efetivamente, ver o rosto dele. Não havia espelhos acessíveis para mim na Loja de Confecções Vestilar. Sim, aquele projeto de rebelde atormentado naquela manhã de segunda-feira era eu.

Vocês, moços, civilizados moços, que nunca viveram o carrancismo, talvez não tenham dimensão. E, como já soprou Loius Armonstrong quando questionado sobre o jazz, “se você precisa perguntar, não vai entender jamais”. Porém, mesmo assim, lhes direi.

Seguinte era este.

Segunda-feira, na PARADOXAL CIDADE DE IRECÊ, era dia de feira na rua. E dia de feira significava dia festa, de gente, muita gente nos insalubres estabelecimentos comerciais, de bêbados, pedintes, repentistas confundido e alegrando nossas vidas, de mascates de todos os cantos e outros vendedores de delícias e ilusões. E dia de muito trabalho. Sim, regalia de mininu era trabalhar, especialmente naquele início da década de 1980, quando corria muito dinheiro na localidade e a referida e opressora urbe era a Capital do Feijão, maior produtora de todo o Nordeste de Pindorama.

Todavia, naquele fim de manhã de segunda-feira, NÃO. NÃO, meu pai, NÃO vou mais trabalhar. Vou pra casa.

Rispidamente, meu finado genitor largou o doce: “O que é que você tem, rapaz? Se tá passando mal vai no médico. Afinal, Doutor Sombra (juro, este era o nome do médico) está aí pra isso”.

Eu, realmente, estava passando mal. Porém, nem mesmo Doutor Sombra, que possuía mais conhecimentos do que os curandeiros que vendiam a inoxidável banha do peixe-boi, poderia dar jeito. O doutor que eu queria ver era outro, muito menos soturno, que vestia a camisa 8.

Eis o drama de botar qualquer Shakespeare no chinelo. Como informar ao dita…digo, meu pai, que eu ia largar o labor (sim, ele não fechou o comércio naquele 5 de julho), a festa da feira, que mesmo trabalhando eu amava, para ir ver um jogo de bola que, na concepção dele, era coisa de malandra, assim mesmo, no feminino. (Creio que ele falava deste jeito, mudando o gênero, para desmoralizar ainda mais o Ludopédio).

Contudo, apesar de todos os perigos, fui ver o Brasil x Itália na TV colorida lá de casa (sim, tinha este desfrute. Era e sou um pequeno burguês revoltadinho), mesmo sabendo que, independentemente do placar final no Estádio Sarriá, meu lombo seria presenteado por doses generosas de urtiga e cansanção. Mas valia o risco. Aliás, inconsequentemente, prossigo achando que os riscos sempre são válidos.


E foi por tudo isso que, mais de 30 anos depois, neste fim de manhã de sábado, apesar de não ter mais a feira, novamente vivi aquela angústia transcendental que inquietava aquele menino.

E, novamente, deixei a paixão juvenil falar mais alto. Assim, mesmo contrariando as recomendações de meus velhos amigos, que me alertaram para todos os perigos ufanistas (assim como meu pai me alertou para os perigos fantasmagórico que rondavam meu espinhaço), decidi correr riscos novamente num dia de jogo Brasil x Itália, mesmo sabendo que, independentemente do que acontecesse no gramado da Nova/Velha e trágica Fonte, uma vez mais eu levaria porrada. E, agora, não era mais meu pai. Era algo muito pior: a pulicia militar da Bahia.

É fato que alguns podem argumentar que aquele time que entrou em campo em 5 de julho representava a esperança, tinha craques, e que estas manifestações de rua estão repletas de pernas de pau que não valem uma missa.

Talvez vocês tenham razão e eu continue o ingênuo revoltadinho de 30 anos atrás, mas o fato é: sempre que estiver claro para mim que os opressores poderes constituídos (seja meu pai ou a PM) estão de um lado, irei jogar bola no outro, mesmo com a quase certeza de que a MADEIRA VAI DESCER no final.

(Ah, sim. Os olheiros oficialescos, que só enxergam as obviedades, podem não ter visto, mas tem muito menino craque de bola na rua, não duvidem).

E, diante das certezas de meus amigos cartesianos, esquerdistas, moralistas, ponderados, legalistas, que estão sempre com medo de ENFRENTAR o novo (mesmo que este pareça e seja velho), opto pelo sábia constatação do poeta Antônio Brasileiro.

A verdade é uma só: são muitas. E estamos todos certos. E sem rumo”.

Então, minha cartolina imaginária continua sendo esta: CHEGA DE XIBIATAGEM. É HORA DE CHIBANÇA!!!

Agora, deem-me licença, que vou perguntar ao freguês ao lado qual foi o resultado do futebol.

Por: Franciel Cruz

P.S E para não dizer que não falei de pilhéria, reproduzo uma das melhores frases que escutei nestes últimos dias: “Uma grande parte desta galera saiu do feissibuque, mas o feissibuque não saiu deste pessoal”.

Texto publicado originalmente no brioso Impedimento

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