28 de janeiro de 2012

[ENTREVISTA] Toninho Cerezo: "Meu objetivo, sem dúvida, é esse: subir para a Série A"

Títulos por onde jogou, ídolo de diversas torcidas e um carma: a Copa do Mundo de 1982. Volante de um estilo fino com a bola nos pés, Toninho Cerezo mantém a classe com as palavras. Com 56 anos, Cerezo tem uma missão especial este ano: colocar o Vitória de volta na Série A do Campeonato Brasileiro.

De fala fácil, o treinador do Vitória relembra os principais momentos da carreira, a afinidade com Telê Santana e diz não guardar mágoas por ter sido crucificado pela eliminação da Seleção Brasileira, após derrota para a Itália, no Mundial de 82.

Em entrevista concedida ao GLOBOESPORTE.COM/BA, o treinador relembrou ainda a forma inusitada que ficou sabendo da ida para o Roma. Ao voltar de uma pescaria no Araguaia, Cerezo parou em um posto de combustível para lavar o carro. Um caminhoneiro se aproximou dele e revelou a transferência. Confira abaixo:

Como foi que surgiu a paixão pelo futebol?
Eu era menino de bairro. Só fazia jogar futebol e ir na escola. Tinha o campo do Ferroviário, lá na Central do Brasil. Jogava bola de manhã e jogava bola de tarde. À noite não, porque a mãe vinha me buscar e tinha sempre uma chinelada na bunda (risos). Foi dali, jogando contra uma outra equipe, eu fiz dois gols e um cara me chamou para jogar "no Atlético-MG". Mas não era no Atlético-MG, era pra jogar contra o Atlético-MG. Aí joguei e ‘Seu Zé das Camisas’, que era o dirigente do Atlético-MG, me chamou. Eu fui e passei um período de dois, três meses lá. Cheguei e fui logo titular, só que eu tinha saudade de meus amigos do bairro. Aí larguei o Atlético-MG e voltei para o meu time de bairro, o Ferroviário. Só que nesse período eu tinha jogado e o Dom Serafim, que era o bispo de Belo Horizonte, tinha me visto. Ele era muito amigo de meu pai e sentiu minha falta. Mandou o pessoal ir lá em casa e me buscar de novo.

Antes de ir para o profissional, ainda teve uma passagem por Manaus. Como foi a experiência?
Eu ia ser mandado embora porque era muito pequeno, raquítico. Aí meu treinador do juvenil, do time que nós havíamos sido campeões, foi para Manaus e me levou. Com 17 anos fui para lá e passei um ano no Nacional-AM. Disputei Campeonato Brasileiro, campeonato regional...Em um ano comi banana, tambaqui, tucunaré e aí encorpei. Com treinamento de profissional e dormindo cedo, eu desenvolvi.

E quando você voltou para o Atlético-MG, em um ano virou titular e ídolo da torcida. Como reagiu a isso?
O treinador era o Telê Santana. Eu comecei a entrar e a sair com ele. Depois que ele saiu, veio o Barbatana e eu assumi como titular. Mas foi o Telê que começou a me dar chance de entrar. Na época, tinha um grande volante que era o Vanderlei e eu fui entrando, fui entrando, o Telê me colocando e depois que ele saiu entrou o Barbatana e eu assumi.

Você já era atleticano?
Eu fiquei atleticano. Eu gostava era de meu time do bairro, o Ferroviário. Mas aí depois foram praticamente 18 anos dentro do Atlético-MG, desde a base, aí se criou uma imagem do Glorioso Atlético-MG comigo.

E a venda para o Roma, considerada a maior do futebol até então, era um desejo seu?
A minha e a do Zico foram consideradas as maiores transações da época (risos). É verdade. Eu estava pescando. Nem sabia. O Atlético-MG me vendeu e eu não sabia de nada. Estava pescando no Araguaia e quando cheguei em Brasília, num posto para lavar meu carro, porque eu tinha comido uma poeira danada, um caminhoneiro falou: “Você foi vendido, viu Cerezo?”. Aí eu fiz: “Eu? Vendido?”. Liguei pra casa e minha família falou que era verdade. Tive que voltar correndo.

Você aceitou essa venda tranquilamente?
Eu não queria ir no primeiro momento, porque eles não queriam pagar meus 15%. Eu tive que abrir mão para ir. Mas já estava com 28 anos e achava que já estava na hora de ganhar alguma coisa. A gente não ganhava muito nessa época.

E a recepção na Itália?
Roma é uma cidade que gosta muito de brasileiro, já tinha o Falcão lá e isso também me ajudou bastante. Foi tranquilo.

Imaginava se tornar tão importante a ponto de ser homenageado com uma música em seu último jogo lá?
Eu passo, vou em Roma, qualquer romano que me vê fala, me cumprimenta...romanos vieram aqui me visitar no clube...eles têm um carinho muito grande por mim. Eu fiquei lá um período e depois fui para o Sampdoria. Fui muito feliz lá e ganhei tudo o que tive de ganhar. Todo ano da minha vida eu sempre cheguei em uma final. Todo time que passei eu fiz artilheiros. Quer dizer, eu tenho uma história grande. De sucesso e de derrota porque isso faz parte do atleta.

De onde surgiram os apelidos como Patrão da Bola e Capitão da Paz?
Foi em Minas ainda. Capitão da Bola, e isso e aquilo. Depois no São Paulo era o Mestre. Aí o pessoal era Mestre pra cá, Mestre pra lá. No São Paulo foi um período muito bom. Além de chegar em uma faixa de idade minha mais avançada, eu cheguei em um time que tinha uma garotada e um treinador, que era o Telê. Eles me ajudaram muito a ganhar todos aqueles títulos que eu ganhei. É um clube que não deve nada a nenhum clube europeu pela estrutura que tem e pelos jogadores que tinha. Em dois anos nós ganhamos quase 15 competições. Foi uma coisa maravilhosa.

Você e Telê tinham uma relação muito próxima?
Não. Só de treinador. Telê não dava muito espaço a ninguém, não. Eu conheci o filho dele, porque tem quase a mesma faixa de idade minha e jogamos juntos no juvenil. Conheci a esposa dele, mas isso depois que eu vim para o São Paulo, eu com quase 38 anos. Aí que eu tive um maior contato com Telê. Mas sempre assim um contato dele treinador e eu jogador.

Mas pelo menos dentro de campo, vocês se entendiam bem, tinham uma sintonia...
Era uma sintonia porque eu tinha um estilo de futebol que ele gostava. Jogar para frente, jogar em direção ao gol, jogar para ganhar. Isso sempre foi uma característica minha. Por isso que ele sempre deixou as portas abertas.

Na Copa do Mundo de 1978, você se sentiu prejudicado pelo estilo aplicado por Coutinho, que dava preferência aos chamados jogadores polivalentes?
Eu acho que não. Tentamos fazer o nosso melhor.

E em relação a 1982, guarda alguma mágoa pela eliminação do Brasil, quando foi apontado como um dos criticados por causa daquele erro no segundo gol da Itália?
Não. Porque se for analisar bem, por causa daquele gol, terminaria 2 a 2 e o Brasil classificava, entendeu? Eu não guardo nenhuma mágoa. Muito pelo contrário. Eu sou muito feliz de ter jogado naquela seleção porque eu joguei com grandes campeões, com grandes jogadores e nós jogávamos um futebol maravilhoso. Você acredita que, por esses anos todos, como jogador, como treinador, todo mundo recorda a seleção de 82 e o futebol que nós jogamos. Isso demonstra que nós fizemos um bom trabalho. O futebol, você sabe, se ganha e perde. Isso faz parte do jogo.

Virar treinador foi algo que sempre imaginou?
Eu sempre quis estar ligado à bola. Eu acho que eu me reconheço em campo. Dirigente, diretor esportivo, supervisor, essas coisas não. Eu gosto de estar em campo. Talvez seja porque eu joguei de volante e tinha uma visão de jogo muito grande. Pelo tempo que eu joguei, eu me sinto feliz em campo e gosto de treinar. Você sabe que eu vim aqui para o Vitória porque eu dei minha palavra ao presidente que eu viria para cá e estou aqui cumprindo a minha palavra. Eu quero é trabalhar, mais do que ganhar dinheiro. Meu negócio é trabalhar. Com a idade que eu tenho e com essa profissão de treinador, eu acho que é muito legal, muito importante. Você tem um desgaste grande, mas isso faz parte do mundo da bola. Eu sou guerreiro e fui vacinado nisso

Em quem você se inspira para comandar os times?
Eu tive poucos treinadores, mas excelentes treinadores. Tive o Barbatana, o Telê...Tive no Cruzeiro um treinador, que ele faleceu, ele era do Rio Grande do Sul, muito bom treinador, mas não consigo lembrar o nome dele. Eu tive bons treinadores e como mineiro eu sempre fui um cara de observar e de olhar as coisas. Eu acho que isso ajudou muito nessa campanha de treinador. Treinador é muito difícil no Brasil. A cobrança é muito grande e você não tem tempo para trabalhar devido a cobrança e as exigências do futebol. Vou tentando nessa corda bamba, salto daqui, dali e vou tentando fazer o meu melhor.

Você disse recentemente que considera Joel Santana como seu guru. É isso mesmo?
Joel! Eu tenho algumas pessoas que eu ligo, pergunto. Joel é um deles. Abel, as vezes ligo e pergunto também. São pessoas que eu tive maior afinidade, que eu conheci e tive oportunidade de conversar. Tive uma experiência boa com Vanderlei também.

Mas com Joel Santana no Bahia e o Campeonato Baiano pela frente, não vai poder manter as ligações, não é?
Não. Ligo sim. Eu tenho um bom contato com Joel e acredito que na primeira oportunidade nós vamos sair, vamos almoçar. Eu faço parte de uma turma da quinta da proteína, aqui de Salvador. Não tem só torcedores do Vitória. Tem torcedores do Bahia e eles me pediram para levar e eu vou levar Joel um dia desses nesse almoço. Joel é uma pessoa doce e eu acho que futebol é uma coisa dentro de campo. Fora do campo, nosso relacionamento tem que ser legal, bacana, aberto. Como pessoas civilizadas.

Qual foi o segredo do Vitória naquele brasileiro de 1999, quando chegou à semifinal do Brasileiro?
Eu cheguei e já tinha uma equipe montada. Eu trouxe alguns jogadores para encaixar. Era uma equipe maravilhosa porque nós tínhamos uma defesa firme, laterais bons, jovens e com velocidade. Tínhamos volantes que chutavam bem, se posicionavam bem, o Baiano e o Fernando. Tinha o Otacílio no meio, o Tácio no meio. Tínhamos um ataque muito rápido e forte. O plantel daquela época do Vitória era um plantel muito bom. Jogadores de grande qualidade. Esse ano nós estamos formando.

Por falar nesse ano. A base tem sido bem valorizada. Quais jogadores você diria que podem brilhar no futebol?
A gente fala “a base” porque a maioria dos jogadores que temos aqui, veio da base. Então temos que trabalhar com o material humano que nós temos. Logicamente, a gente tem que pinçar um ou outro jogador. A gente vai ter que trazer atletas para compor o grupo. O Campeonato Baiano é uma referência, mas tem uma cobrança muito grande devido ao clássico. Depois nós temos o objetivo que é o Brasileiro, mas você tem que fazer bem o Campeonato Baiano. E o problema, que é a dificuldade maior, é você contratar. Contratar por contratar, como se fez no ano passado, 27, 30 contratações, isso desgasta a todos. Então é preferível você contratar certo e, logicamente, você usar a base do Vitória. Eu acredito que aqui, três, quatro jogadores você consegue colocar para jogar. Depois, com alguns jogadores experientes, a tendência é só crescer. Agora você precisa de tempo para que tudo isso funcione. Espero que eu possa ter aqui.

Depois do sucesso de 99, você foi para o Atlético-MG e em seguida passou muito tempo fora do Brasil. Foi para o Japão e Emirados Árabes, onde conquistou títulos. Mas no Brasil não repetiu o sucesso. Esse tempo fora atrapalhou? O que aconteceu?
Acho que não. Eu fui para o Japão e ganhei tudo o que tinha que ganhar. Depois quando voltei, foi para uma equipe como o Guarani que já estava no rebaixamento, salários atrasados, uma série de confusão e um ambiente muito carregado. Depois saí e fui para os Emirados. Fui lá e ganhei tudo o que tinha que ganhar nos Emirados e aí voltei para o Sport. Quando cheguei lá, estava fazendo o meu trabalho bem. O presidente recebeu um grupo de empresários que assumiu o clube e já vieram com um treinador contratado, que era o Geninho. Sorte minha que o presidente falou comigo. Quando o presidente falou comigo, foi honesto comigo e depois que ele falou comigo, eu achava que não deveria ficar. Quem estava entrando tinha uma outra aposta e eu fui lá, reuni os jogadores, agradeci e fui embora.

Como você avalia o tempo que passou à frente do Sport?
Fiz até um bom trabalho. Eu cheguei o time estava no rebaixamento. Nós fizemos nove partidas. Eu ganhei seis partidas, perdi duas e empatei uma. Quer dizer, estava no caminho certo. Mas quando as coisas são de cima para baixo, você não pode fazer nada.

Esse ano dá para prometer o acesso no Vitória?
Meu objetivo, sem dúvida, é esse: subir para a Série A. Estão sendo feito ajustes. Contratar é sempre assim: você pode errar ainda. A gente está procurando contratar jogadores de bom perfil. Bons profissionais e que tenham uma boa habilidade, uma boa técnica. Contratar por contratar é preferível usar quem está aqui, que é de casa e tem um algo mais. Seguramente vai correr um metro ou dois a mais porque tem o Vitória no coração. (Raphael Carneiro / GloboEsporte)

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